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STF não deve modular os efeitos da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins

Por Daniel Corrêa Szelbracikowski e Gabriela Gonçalves Barbosa Em 15/3/2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do RE 574.706/PR e fixou a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, sob o fundamento de que tais valores não compõem a definição de faturamento para aquela finalidade por não se incorporarem ao patrimônio do contribuinte. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs embargos de declaração em que requereu a integração do acórdão para sanar obscuridade quanto ao critério de cálculo da parcela do ICMS passível de ser excluída das bases de cálculo do PIS e da Cofins (ICMS “a pagar” x ICMS “destacado”) e a modulação dos efeitos do decisum para que este somente produza efeitos gerais a partir da data do julgamento de seus declaratórios, em função do suposto impacto econômico do julgado. No último dia 4, a Procuradoria-Geral da República opinou (i) pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade a serem sanadas no acórdão proferido pelo STF relativamente ao critério de aferição do ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições e (ii) pela atribuição de eficácia prospectiva — ex nunc — ao acórdão. Em nosso entendimento, a PGR acerta ao aduzir que não há omissão no acórdão quanto ao critério de cálculo da parcela de ICMS. Contudo, parece-nos equivocada a manifestação do parquet quanto à admissibilidade do pedido de modulação de efeitos. Vejamos: Quanto à primeira questão, de fato os votos condutores da tese vencedora esclareceram que a parcela a ser retirada das bases de cálculo do PIS e da Cofins corresponde ao “ICMS destacado” nas notas fiscais: “Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na “fatura” é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições” (voto da ministra Cármen Lúcia, fl. 23/24). “Por conseguinte, o desate da presente controvérsia cinge-se ao enquadramento do valor do ICMS, destacado na nota, devido e recolhido, como receita da sociedade empresária contribuinte. (...)Logo, embora não haja incremento patrimonial, o valor relativo ao ICMS destacado e recolhido referente a uma operação concreta integrará a receita efetiva do contribuinte, pois gerará oscilação patrimonial positiva, independentemente da motivação do surgimento da obrigação tributária ou da destinação final desse numerário ao Estado em termos parcial ou integral, após devida compensação não automática na qual se considera a técnica da não cumulatividade, como, por exemplo, pela metodologia de conta gráfica, por sua vez expressamente referida no libelo da demanda veiculado no mandado de segurança impetrado pela parte Recorrente” (voto do ministro Luiz Edson Fachin – fls. 37/39). Se houve a análise do tema, não há omissão a ser sanada. Na verdade, o entendimento restritivo defendido pela PGFN em seus aclaratórios, no sentido de que a quantia a ser expurgada das bases de cálculo do PIS e da Cofins corresponderia ao “ICMS a pagar”[1], é claramente contrário ao que foi definido pelo STF. Nesse sentido, aliás, têm decidido os tribunais[2] com sólido apoio da doutrina[3], motivo pelo qual — nesse ponto — deve prevalecer a opinião da PGR de que “o Plenário do Supremo Tribunal Federal debateu amplamente a questão trazida no recurso extraordinário, inclusive rediscutindo argumentos e reafirmando fundamentos presentes em julgamentos anteriores, de forma que ausente omissão, obscuridade ou contradição que justifique a reabertura da discussão” (p. 7 do Parecer). Por outro lado, é incabível a modulação de efeitos da decisão do STF na hipótese examinada. Nos termos dos artigos 27 da Lei 9.868/99[4] e 927, parágrafo 3º, do CPC/2015[5], a modulação de efeitos deve ocorrer para atendimento do interesse social e da segurança jurídica, especialmente em caso de alteração jurisprudencial. Seu desiderato é evitar alterações abruptas de entendimento que venham a causar insegurança jurídica. Logo, a atribuição de efeitos prospectivos não se aplica a julgados que apenas seguem a orientação jurisprudencial já assentada acerca de determinado tema. Ora, desde 2006, o STF possui maioria de votos formada em Plenário quanto à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins[6], o que afasta o cabimento da modulação de efeitos por alteração jurisprudencial. Não se desconhece que, durante algum tempo, a jurisprudência do STJ consolidou-se em sentido desfavorável aos contribuintes, isto é, pela legalidade da inclusão do imposto estadual na base de cálculo das aludidas contribuições, conforme estabelecido na Súmula 68 daquele tribunal[7]. No entanto, em função do disposto no artigo 105, III, ‘a’ e ‘c’, da Constituição, o tema fora decidido pelo STJ exclusivamente à luz das normas infraconstitucionais[8]. Porém, em 8/9/1999, no bojo do RE 240.785/MG, o Plenário do STF reconheceu o caráter constitucional da discussão e iniciou o julgamento do tema à luz do artigo 195, I, b, da Carta Maior. Apesar de o julgamento só ter sido concluído em 8/10/2014, desde 2006 havia maioria de votos no Plenário pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Disso decorre que a primeira manifestação de mérito do Plenário da suprema corte foi pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, fundamento constitucional autônomo distinto do debate anteriormente travado pelo STJ meramente à luz das normas infraconstitucionais. Alinhado aos primados de estabilidade e coerência dos precedentes (artigo 926 do CPC/15), em 15/3/2017, o STF prestigiou a sua jurisprudência e, sob a sistemática e efeitos da repercussão geral, reiterou o entendimento de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”, desta vez em precedente imbuído de eficácia persuasiva (RE 574.706/PR, relatora ministra Cármen Lúcia, Plenário, DJ 2/10/2017). Seguindo o disposto no artigo 1.026 do CPC/15[9], a jurisprudência dos cinco TRFs e do STJ seguiu imediatamente a posição do STF, no sentido da exclusão do ICMS da base de cálculos das referidas contribuições[10]. O histórico acima demonstra que a segurança jurídica impossibilita a modulação de efeitos. Afinal, não houve alteração, e sim a reiteração da jurisprudência do STF. Além disso, todo o Judiciário já vinha seguindo a orientação jurisprudencial da suprema corte, cuja maioria estava formada desde 2006 pela inconstitucionalidade da cobrança. Por isso, inúmeros títulos exequendos transitaram em julgado e se encontram agora em fase de cumprimento de sentença ou habilitação administrativa. Portanto, longe de preservar a segurança jurídica, a modulação ex nunc dos efeitos do acórdão proferido no RE 574.706/PR apenas atrairia mais incertezas. Primeiro, porque ignoraria que a jurisprudência então firmada em sede de repercussão geral apenas acompanhou e reiterou o pronunciamento anterior do próprio Plenário do STF. Segundo, porque possibilitaria que a Fazenda Nacional lançasse mão de instrumentos processuais (ações rescisórias ou impugnações à execução[11]) para limitar indevidamente o âmbito de eficácia dos títulos judiciais. Ainda que tais ações fossem manifestamente improcedentes — por contrariar a coisa julgada material formada em cada caso — não há dúvida de que tais oposições, no mínimo, retardariam o desfecho dos processos, causando tumulto processual e congestionamento do Judiciário. Também inexistem razões de excepcional interesse social a justificar a pretendida modulação de efeitos. A alegação de eventual impacto aos cofres públicos, por si, não é suficiente à realização da modulação, conforme o próprio STF já decidiu em algumas oportunidades[12]. Admitir a prospecção de efeitos em hipótese na qual não estão atendidos os requisitos da segurança jurídica e do excepcional interesse social significa premiar o agir inconstitucional do Estado, intensificando o risco moral (moral hazard)[13]. Em outras palavras, incentiva o Estado a instituir e majorar tributos de forma inconstitucional para fazer frente à necessidade de arrecadação. Isso porque, ainda que tais exações venham a ser declaradas inconstitucionais pelo STF, o Estado se furtará do dever de restituí-los à pretexto de evitar “rombos no orçamento”. O argumento é claramente ad terrorem. De resto, há mais de uma década a União Federal tem contingenciado o risco fiscal de uma derrota. Isso pode ser verificado diretamente nas Leis de Diretrizes Orçamentárias[14], que classificaram o risco como possível (e não remoto) e estimaram o potencial numérico da perda. Não há surpresa para a administração. Em conclusão, a segurança jurídica e o interesse social indicam o não cabimento da modulação de efeitos no caso. Nada obstante, ainda que se admita (por mera hipótese) eventual eficácia prospectiva da decisão do STF, esta deverá respeitar standards de razoabilidade e segurança jurídica, impondo-se, no mínimo, o respeito às ações judiciais e defesas administrativas apresentadas pelos contribuintes até a data da conclusão do julgamento da pretendida modulação. [1] Entendimento esse manifestado também pela Receita na SCI Cosit 13/2018. [2] AC Nº 5003099-73.2017.4.04.7201/SC, Rel. Andrei Pitten Veloso, TRF-4, DJ 30/10/2018; AC Nº 0002093-15.2017.4.03.6112, Rel. André Nabarrete, TRF-3, DJ 25/10/2018. [3] ANDRADE, André Martins. ICMS x PIS/COFINS – por que os ED da PGFN devem ser sumariamente rejeitados pelo STF no RE nº 574.706. R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 16, n. 91, p. 171-191, jan/fev 2018; PINHEIRO, Bianca Delgado e RODRIGUES, Tales de Almeida. Controvérsias na exclusão do ICMS do PIS e Cofins. ConJur, 2018. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2019; ANDRADE, André Martins. Uma análise sobre a gênese da Solução de Consulta Interna Cosit 13. ConJur, 2018. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2019. PISCITELLI, Tathiane. Argumentos financeiros e modulação de efeitos. Valor Econômico, 2019. Disponível em: https://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/6295705/argumentos-financeiros-e-modulacao-de-efeitos Acesso em: 13 jun. 2019. [4] Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. [5] Art. 927. § 3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. [6] Andamento processual do RE 240.785: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1736915 – Acesso em 14/6/2019. [7] Súmula 191/TFR: "É compatível a exigência da contribuição para o PIS com o imposto único sobre combustíveis e lubrificantes". Súmula 258/TFR: "Inclui-se na base de cálculo do PIS a parcela relativa ao ICM". Súmula 68/STJ: "A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS". Súmula 94/STJ: "A parcela relativa ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL". [8] Arts. 3º, § 2º, III, da Lei 9.718/98 e 111 do CTN. [9] Art. 1.026. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso. [10] TRF 1, AC 0019246-74.2015.4.01.3400, DES. FEDERAL JOSÉ AMILCAR, TRF1 - 7T, DJ 10/05/2019; TRF2, APC 0000330-53.2008.4.02.5002, DES. THEOPHILO FILHOAPELANTE, 3T, DJ 15/05/2019; TRF3, 6T, APC 5000484-15.2017.4.03.6110, DES. DIVA MALERBI, DJ 03/06/2019; TRF4, 5010750-80.2017.4.04.7000, VICE-PRESIDÊNCIA, DES. MARIA DE FÁTIMA LABARRÈRE, DJ 05/06/2019; TRF5, 08057921020184058401, DES. ROGÉRIO MOREIRA, 3T, DJ 20/05/2019; STJ REsp 1308287/BA, MIN. GURGEL DE FARIA, 1T, DJ 08/08/2018; AgInt no RE nos EDcl no AgInt no REsp 1355713/SC, MIN. HUMBERTO MARTINS, CE, DJ 29/06/2018; REsp 1536647/MG, MIN. HERMAN BENJAMIN, 2T, DJ 09/08/2018; STF RE 209314 ED, MIN. ROBERTO BARROSO, 1T, DJ 17-09-2018. [11] Art. 966, §5º e art. 535 e §§ 5º e 6º do CP/15. [12] v.g. RE 559937, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJ 14-10-2014; RE 596177, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJ 18-11-2013. [13] “‘O risco moral’, tema da teoria econômica, ocorre sempre que incentivos não se alinham entre os agentes, fazendo com que inpíduos tendam a comportar-se de forma indevida, principalmente quando não arcam com o custo de suas escolhas” (CARVALHO, Cristiano. ROSA, Octavio Giacobbo da. A modulação de efeitos nas decisões de inconstitucionalidade tributária e o “risco moral”. Revista dos Tribunais. Vol. 980/2017, p. 69 – 78. Jun. 2017). [14] Ao menos desde 2007 eVide fl. 222 do Anexo V da Lei n° 11.514/2007 (LDO 2008). Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-orcamentarias/ldo/2008/tramitacao/redacao-final/lei%2011.514-anexos.pdf.
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